A CRISE DA MEIA IDADE E O FASTIO PROFISSIONAL
No percurso da vida e carreira, muitas vezes nos deparamos com arrependimentos e questionamentos sobre as escolhas feitas. O fardo do “e se?” pode nos assombrar, principalmente na meia-idade, quando nos encontramos lamentando oportunidades perdidas e caminhos não trilhados. No entanto, a filosofia nos convida a fazer uma distinção crucial: entre o que deveríamos ter feito no passado e como devemos encarar esse passado no presente. É nessa reflexão que encontramos insights valiosos sobre as escolhas na vida e carreira, e o que realmente faz uma vida valer a pena viver. Tudo bem, você pode dizer, exceto o fato de existir outro tipo de arrependimento – aquele que sentimos quando as coisas não vão bem. E os equívocos, infortúnios, fracassos? Toda carreira segue caminhos tortuosos – e algumas em maior quantidade do que outras, afinal toda a trajetória foi fundamentada em escolhas. Na meia-idade nos encontramos lamentando o que poderia ter sido. Como a neurocientista Sarah-Jayne Blakemore afirma: “O cérebro está constantemente avaliando as escolhas passadas e imaginando as escolhas futuras”. No entanto, é importante lembrar que as decisões tomadas no passado foram influenciadas por um conjunto específico de circunstâncias e conhecimentos disponíveis naquele momento – eis então o fastio da carreira profissional. O fastio da carreira profissional refere-se a um sentimento de descontentamento, tédio ou desinteresse em relação ao trabalho ou à trajetória profissional. É uma sensação de cansaço, falta de motivação e insatisfação geral com as atividades e responsabilidades relacionadas à carreira. O fastio da carreira pode surgir por diversos motivos, entre eles está a chegada da meia idade. É verdade que o fastio se dá para algumas pessoas que podem sentir-se presas em uma rotina monótona, realizando tarefas repetitivas e desafiadoras. Outros podem sentir que não estão aproveitando seu potencial máximo ou que não estão alcançando os objetivos e metas que estabeleceram para si mesmos. Também pode ser resultado de falta de reconhecimento, poucas oportunidades de crescimento ou desalinhamento entre os valores pessoais e a cultura organizacional. De qualquer forma, quando nos aproximamos da meia idade gatilhos mentais vão atribuindo questões sobre nossa própria trajetória pessoal e profissional. Esse sentimento de fastio pode ter um impacto negativo na vida pessoal e profissional. Pode levar a um declínio na produtividade, na qualidade do trabalho e na motivação geral. Além disso, o fastio pode causar estresse, frustração e insatisfação, afetando a saúde física e mental. Por isso mesmo quero trazer aqui está reflexão. É muito importante reconhecer os sinais de fastio da carreira e buscar maneiras de lidar com ele. Isso pode envolver a exploração de novas oportunidades dentro da organização, a busca por um novo emprego ou uma mudança de carreira completa. Também pode ser útil buscar o desenvolvimento pessoal e profissional, definir metas claras e buscar um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal. Afinal, o que importa é que devemos nos esforçar para encontrar significado, propósito e satisfação na carreira – para uma vida profissional gratificante e realizada. Da mesma forma que quando o fastio da carreira se instala, é importante tomar medidas para reavivar o interesse, redescobrir a motivação e buscar um caminho que seja verdadeiramente significativo e gratificante. Reconciliação Quando nos deparamos com arrependimentos em relação à carreira, é essencial buscar reconciliação. Isso me faz lembrar a história de uma cliente que abandonou uma promissora carreira na música para se tornar advogada corporativa o que ilustra essa necessidade. Após uma década, ela se via desiludida com a monotonia do trabalho atual. O que a assombrava não era tanto a possibilidade de mudar de rumo no presente, mas sim o desejo de poder alterar o passado. Por que ela cometeu o equívoco de desistir da música? Como poderia fazer as pazes com essa decisão? Naquele momento de tantos conflitos pessoais, ela experimentava o que o psicólogo Daniel Kahneman chama de “viés de retrospectiva”. Kahneman nos lembra que também conhecido como viés do conhecimento posterior ou “Hindsight bias” em inglês, é um fenômeno psicológico que envolve a tendência das pessoas de perceberem eventos passados como tendo sido mais previsíveis do que realmente eram antes de ocorrerem. Esse viés ocorre quando, após conhecer o resultado de um evento, as pessoas superestimam sua capacidade de ter previsto corretamente o resultado ou subestimam a incerteza que existia na época em que o evento ocorreu. O viés de retrospectiva, é a base do fastio. Muito mais presente com a chegada da meia idade, geralmente surge da necessidade humana de encontrar explicações e dar mais sentido do que a própria realidade, aos eventos passados. As pessoas tendem a reorganizar suas memórias e percepções para se alinharem com o resultado conhecido, levando a uma distorção da maneira como lembram suas crenças e expectativas originais. Esse viés pode afetar várias áreas da vida, incluindo a tomada de decisões, avaliação de riscos e interpretação de eventos históricos. Inclusive pode levar a uma superconfiança em relação à capacidade de prever eventos futuros, ignorando a incerteza e os múltiplos resultados possíveis que existiam no momento em que as decisões foram tomadas. Com a idade muitas vezes este problema aumenta, afinal também vamos ficando mais teimosos a partir do acumulo de crenças limitantes que são constituídas pela vida e cada vez mais, torna-se mais difícil estar ciente do viés de retrospectiva para evitar distorções na interpretação dos eventos passados. Neste sentido, só resta um caminho, reconhecer a incerteza e as limitações de conhecimento no momento em que as decisões foram tomadas pode ajudar a desancorá-la para tomar decisões mais estruturadas no futuro. “… a verdade é que não se pode desfazer o que está feito; um ato é, para sempre, irrevogável e irreparável”. Friedrich Nietzsche A filosofia nos lembra que as percepções sobre o passado podem mudar ao longo do tempo. Derek Parfit, filósofo moral, apresentou um exemplo intrigante em seu livro: uma adolescente que decide engravidar e ter um filho, mesmo diante de uma vida instável. Embora essa tenha sido considerada uma decisão equivocada, anos depois, abraçando seu filho adolescente, ela sente gratidão por ele e felicidade por ter tomado uma decisão aparentemente errada. Afeição e amor podem nos levar a ratificar eventos passados, mesmo aqueles que foram prejudiciais, pois nossa vida atual depende deles. A neurocientista Lisa Feldman Barrett enfatiza que “nossas experiências passadas moldam as maneiras pelas quais nos sentimos e interpretamos o presente”. Portanto, é possível encontrar gratidão e reconciliação com decisões passadas, reconhecendo as alegrias e os aprendizados que surgiram delas. Quando minha cliente lamentou sua carreira musical perdida, eu a lembrei de que ela não teria conhecido seu marido e de que sua filha não existiria se ela não tivesse ido estudar direito naquele momento específico. Nunca Se Esqueça Que O Amor É O Contraponto Do Arrependimento. (Marcello de Souza) Por isso, espero que entenda que a regra é clara, é preciso fazer a distinção entre o que você deveria ter feito ou recebido de bom grado naquele momento e como você deve se sentir a respeito daquilo hoje. É óbvio que essas duas coisas podem se dissociar quando os acontecimentos não se desenrolaram como se esperava. Como o neurocientista Antonio Damasio observou, “o cérebro humano é capaz de experimentar emoções com base em previsões que não se concretizam”. No entanto, devemos lembrar que nossa percepção do passado é moldada pelas emoções e experiências presentes, muitas vezes obscurecendo a avaliação objetiva dos eventos passados. Em outras palavras, é fundamental compreender que o cérebro humano tem a capacidade de experimentar emoções com base em previsões que não se concretizam. Isso sugere que nossas emoções estão diretamente relacionadas às expectativas que temos em relação ao futuro e como elas se comparam à realidade que vivenciamos. Também vale destacar um outro ponto crucial a ser considerado: nossa percepção do passado é moldada pelas emoções e experiências presentes. Isso significa que quando revisitamos eventos passados, estamos sujeitos a uma série de influências emocionais e cognitivas que podem distorcer nossa avaliação objetiva dos acontecimentos. Essa distorção pode ocorrer porque a forma como nos sentimos no presente pode alterar nossa interpretação do passado. Para psicologia, chamamos isto de viés emocional. Por exemplo, se estamos passando por um momento de tristeza ou frustração no presente, é mais provável que lembremos de eventos passados de forma negativa, destacando as experiências desagradáveis. Da mesma forma, se estamos vivendo um período de felicidade e contentamento, podemos lembrar de eventos passados de maneira mais positiva, destacando os momentos agradáveis. Vale lembrar a passagem de Baruch Spinoza que já dizia isto ainda no século XVII. Apesar de não existir uma formulação específica que corresponda à expressão “presente do presente”, ele enfatiza a importância de viver no momento presente e de compreender a realidade como ela é, em vez de sermos dominados por ilusões ou desejos que nos prendem ao passado ou nos fazem projetar ansiosamente no futuro. Sua filosofia aborda a percepção do tempo e destaca a importância de nos concentrarmos na experiência presente para uma compreensão mais clara e autêntica da realidade. Neste mesmo sentido, essas influências emocionais presentes podem obscurecer nossa capacidade de avaliar objetivamente os eventos passados. Nossa tendência é moldar a memória de acordo com o estado emocional atual, o que pode levar a uma visão distorcida da realidade. É importante reconhecer essa influência das emoções presentes ao analisar o passado. Devemos estar cientes de que nossas percepções e memórias estão sujeitas a essas distorções e que nossa avaliação objetiva dos eventos passados pode ser desafiada. Para obter uma compreensão mais precisa e equilibrada do passado, é necessário exercitar uma análise crítica, buscando separar as emoções presentes das experiências passadas. Isso pode envolver um esforço consciente para refletir sobre os eventos sem ser excessivamente influenciado pelas emoções do momento. Ao reconhecer e lidar com o viés emocional na percepção do passado, podemos ter uma perspectiva mais clara e realista sobre nossa história pessoal. Isso nos permite aprender com as experiências passadas, tomar decisões mais informadas e evitar a repetição de padrões negativos. Fato é que nossas emoções presentes podem moldar nossa percepção do passado, dificultando uma avaliação objetiva dos eventos passados. Reconhecer esse viés emocional é essencial para uma compreensão mais precisa e equilibrada de nossa história pessoal. A Importância dos Detalhes Sim! Por trás de tudo isto está o arrependimento. O arrependimento é uma emoção complexa e universalmente experimentada em diversos aspectos da vida, inclusive na carreira. Por isso mesmo que a vida se desenrola nos detalhes, não nas abstrações. Diante da névoa de um suposto sucesso não alcançado na carreira, é essencial reconhecer os fatos concretos que demonstram o valor da carreira atual. O arrependimento na carreira é uma emoção comum e natural, mas também pode ser uma oportunidade para o crescimento pessoal e profissional. Ao refletir sobre nossas escolhas, aprender com o passado e buscar novas direções, podemos superar o arrependimento e construir uma carreira mais satisfatória e gratificante. Lembre-se de que cada experiência traz consigo valiosos aprendizados e que o futuro está cheio de possibilidades de mudança e evolução. Assim como nutrimos afeição por pessoas, também encontramos afeição nos detalhes das interações, conquistas e experiências que não teríamos vivenciado se tivéssemos seguido outros caminhos. Ao lamentar não ter seguido a carreira de médico em vez de filósofo por exemplo, podemos ignorar o valor consistente do nosso trabalho e momentos significativos, como o progresso dos alunos e diálogos enriquecedores com colegas. São esses detalhes que importam em meio ao mosaico de vidas não vividas. O Fastio No Presente Muitas vezes, quando refletimos sobre nossas vidas, podemos sentir arrependimentos e questionamentos sobre nossas escolhas profissionais e pessoais. A meia-idade é um período em que essas reflexões se intensificam, e é comum nos encontrarmos lamentando o que poderia ter sido. Na meia-idade, é comum nos confrontarmos com arrependimentos e questionamentos sobre nossas escolhas passadas. No entanto, é importante fazer a distinção entre o que deveríamos ter feito naquele momento e como devemos sentir em relação a isso hoje. Podemos encontrar reconciliação ao reconhecer os fatos concretos que demonstram como nossa carreira atual é boa. Assim como afeição por … Continue lendo A CRISE DA MEIA IDADE E O FASTIO PROFISSIONAL
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