
A Necessidade Inconsciente de Usar Jargões Corporativos: Um Instinto de Pertencimento?
A comunicação no ambiente corporativo pode parecer uma dança de palavras vazias, mas, no fundo, há algo mais profundo em jogo. Algo que, como Pierre Bourdieu explica em sua teoria de habitus, está intimamente ligado à nossa adaptação e ao status dentro de um sistema social.
Por isso, eu pergunto: você já percebeu como, muitas vezes, o jargão corporativo se torna uma forma de distinção, uma maneira de afirmar pertencimento ao jogo? Por que adotamos essas expressões, mesmo sabendo de sua futilidade aparente?
“Double-click”, “ping”, “align on learnings” – o famoso “word salad” corporativo está cada vez mais presente. Embora possa ser exaustivo, muitos profissionais sentiram a necessidade de adotar essa linguagem para se manterem competitivos no ambiente corporativo.
A personagem “Corporate Erin”, criada pela atriz Lisa Beasley, satiriza essa realidade com sua introdução como a “manager of managerial logistics for Management McManagement”, representando o impacto dos jargões no cotidiano empresarial. Apesar da sátira, a “corporate Erin” reflete uma mudança profunda: os jargões corporativos, que surgiram principalmente em áreas como tecnologia, finanças e consultoria, ganharam uma ubiquidade que vai além do simples “buzzword”.
A Evolução dos Jargões
Os jargões empresariais não surgiram de um vácuo. Muitos desses termos vêm do contexto militar, que, como explica Leon Prieto, professor de Gestão na Clayton State University, se popularizou no ambiente corporativo após a Segunda Guerra Mundial. “Quando os veteranos militares se integraram ao mundo dos negócios, trouxeram consigo uma disciplina estratégica e um vocabulário militar que encontrou fácil aplicação no crescente setor corporativo da pós-guerra.”
Os termos “strategy”, “tactics” e “logistics”, por exemplo, passaram a ser comuns nas conversas empresariais. Termos como “boots on the ground”, originalmente usados para descrever operações militares, foram transformados em um sinônimo para descrever funcionários que executam tarefas operacionais no escritório. Com o tempo, esses jargões se distanciaram da precisão militar, dando lugar a expressões como “circle back” ou “ping me”, que, embora ainda parte do vocabulário diário, são amplamente reconhecidas por seu significado difuso.
O “Human Peacocking”
uso de expressões como “ping”, “alignment” e “circling back” não é apenas uma questão de conveniência. Na realidade, é uma estratégia de habitus. Ao adotar esse jargão, os trabalhadores não estão apenas se comunicando de forma mais rápida, mas também sinalizando, de forma consciente ou não, sua capacidade de navegar nas complexas estruturas de poder do ambiente corporativo. Como Pierre Bourdieu nos ensina, o habitus é um conjunto de disposições internalizadas que nos guiam a agir e a nos comportar conforme as normas e regras de uma sociedade ou grupo. No contexto corporativo, adotar esse tipo de linguagem é, portanto, parte dessa adaptação estratégica.
Então, por que os trabalhadores se entregam tão facilmente a esse “word salad”? A resposta é, muitas vezes, mais simples do que parece: status. Zachariah Brown, professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, explica que o uso do jargão corporativo é uma forma de “human peacocking” – uma necessidade inconsciente de demonstrar competência e se destacar dentro do cenário profissional. “A linguagem é um dos principais meios pelos quais as pessoas sinalizam seu pertencimento e suas habilidades no ambiente corporativo”, afirma Brown.
Em muitos casos, essa adaptação não é apenas uma questão de estilo; ela pode ser crucial para a sobrevivência profissional, especialmente entre os mais jovens no mercado de trabalho. Negar-se a usar jargões seria comparável a não seguir o código de vestimenta de uma empresa – ou, em outras palavras, seria como se recusar a usar um terno quando todos os outros estão de terno.
A Profissionalização Performática
O que está por trás dessa adoção tão generalizada dos jargões? Cooper, professor de psicologia organizacional, observa que, com o aumento da insegurança profissional em mercados competitivos, a necessidade de cobrir situações delicadas com uma linguagem “neutra” se intensificou. Um exemplo disso seria a transição de “job loss” para “downsizing”, e depois para “right-sizing” ou até “ICE” (Involuntary Career Event), um eufemismo para demissões.
Com o avanço das tecnologias de comunicação, como e-mails, LinkedIn e Zoom, as pessoas estão cada vez mais expostas a um “público” corporativo global. Quanto mais visibilidade, mais precisamos performar, e o jargão se torna uma ferramenta para estabelecer credibilidade rápida – ou pelo menos a aparência dela.
A Cegueira do Jargão
Embora muitos considerem o jargão corporativo irritante, ele tem o poder de criar um espaço de exclusão. Funcionários mais jovens ou novatos podem se sentir intimidados ao perceber que, para se integrar, é necessário falar a mesma linguagem, mesmo que ela pareça sem sentido. E é aqui que entra um dos maiores desafios: enquanto a adoção dessa linguagem pode ser uma ferramenta de status e pertencimento, ela também tem o potencial de criar barreiras invisíveis, tornando o ambiente corporativo mais difícil de navegar para aqueles que não dominam o “speak corporate”.
O Jargão Como Identidade Corporativa
Em última análise, a adoção de jargões corporativos é uma forma de se adaptar e se integrar à cultura empresarial contemporânea. Embora muitos profissionais se queixem das palavras vazias e do “word salad” que compõe a comunicação corporativa, o uso dessas expressões não é apenas uma questão de conveniência – é uma estratégia de “status signaling”, um reflexo do desejo de ser reconhecido e de demonstrar competência. E, como em qualquer sociedade animal, a necessidade de sinalizar status é um instinto primitivo – na selva corporativa, ela é traduzida para o uso de jargões como “ping”, “circle back” e “run it up the flagpole”.
Se a adoção de jargões ajuda ou prejudica o ambiente corporativo, é uma questão ainda em debate. No entanto, o fato de que eles fazem parte da identidade e do comportamento organizacional é inegável. E talvez, ao olharmos para o impacto desses “jargões” na evolução do comportamento humano e organizacional, possamos entender um pouco mais sobre como as estruturas de poder e pertencimento funcionam dentro dos escritórios modernos.
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Viva nos Seus Termos
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