O psicanalista francês Jacques Lacan no seminário livro 7, escrito em 1959, diz que a mais doloroso das culpas não é evocada por uma transgressão, mas sim por termos deixado de lado aquilo que realmente desejávamos. Este pensamento é mérito de uma profunda reflexão principalmente em um mundo de tantos ruídos como este à nossa volta, onde está cada vez difícil conseguir ouvir nós mesmos e ao que parece, o arrependimento tem se tornado tão presente. Lamentar por oportunidades perdidas é parte da nossa evolução cognitiva, na realidade é um dispositivo intrínseco ao ser humano que tem grande importância para o crescimento pessoal. Também é verdade que nem sempre é fácil lidar com ele! Não faltarão vezes na vida em que o arrependimento de ter tomado certas atitudes de alguma forma aja contra nossos sentimentos mais profundos, com nossa própria saúde e bem estar, físico e mental, e que ainda pode de alguma forma se agravar para transtornos mentais e nos deprimir. Arrependimento não é fracasso! Claro que quando criamos uma expectativa que não é atendido, há sofrimento, e ele pode ser realmente intenso, mas não é algo que tende a permanecer ao longo do tempo — a não ser nas memórias para servir de aprendizado e assim irmos aprimorando as estratégias com a realidade na vida. Já o arrependimento tem uma outra conotação psíquica mais profunda. Estudos demostram que quando perdemos oportunidades desde aquela simples escolha de fazer ou não, isto tende a se relacionar com outras inúmeras questões na vida mais adiante. Isso não acontece por acaso. O arrependimento está diretamente relacionado não só com as emoções, mas principalmente com o sentimento que se forma dentro de nós e que tende a permanecer. Diferentemente do remorso, em que a pessoa que o sofre não se sensibilizou verdadeiramente do mal que possa ter causado a outros, muitas vezes de maneira egoísta, pensando apenas no próprio bem; o arrependido se relaciona com crenças, com a autocritica e o autojulgamento, tem a ver com valores, virtudes, princípios e moral; tão como com autoestima, autovalorização e autoconceito seja das atitudes tomadas ou da falta delas. Não por menos que muitos carregam ele por toda a vida. Como se aquela questão arrependida do passado se tornasse um grande gatilho para tantas outras decisões futuras. Fato é que o arrependimento pode inibir ou mesmo restringir outras escolhas importantes que possam surgir durante a vida. “Que jogue um chocolate Teuscher aquele que não tem arrependimentos!” Se você está agora pensando: Não, não me arrependendo de nada! Talvez deva procurar urgente um bom profissional da cabeça! Não tem como, todos nós carregamos arrependimentos. É parte da natureza humana e isto tem motivo de sobra. Brincadeiras à parte, o arrependimento não está só na perda de um bem material ou na discussão que termina em separação de um relacionamento a dois, tem a ver com tudo aquilo que é parte da vida e do dia a dia, desde julgamentos e críticas injustas e apequenadas contra pessoas que não mereciam, atos impulsivos e desconexos com a realidade, palavras agressivas ou do silencio quando deveria ter falado, inibições ou timidez inexplicáveis, falta de sinceridade, excesso de orgulho, de vaidade, de egoísmo, de narcisismo, de não ter ouvido mais que reclamado, de não ter aproveitado a vida mais que trabalhado, de não ter amado quem merecia seu amor, tem a ver com falta de esforço quando deveria ter se esforçado, com a falta de estudo quando deveria ter estudado, da procrastinação quando deveria ter sido proativo, e por aí vai uma lista quase que infinita de ações de nosso dia a dia que acontecem, ora de maneira intencional, ora de forma automática, mas que acaba gerando resultados contrários, prejudicando uma relação, amizade, trabalho, casamento, negocio, crescimento profissional e pessoal, oportunidades de trabalho, enfim, fato é que provavelmente antes do último suspiro muitos deles ainda passarão por nossa cabeça. Clinicamente dizendo, há fundamentalmente quatro principais arrependimentos, o primeiro é aquele que fazemos algo que não deu certo, tem a ver com escolhas erradas, que depois dos resultados não ter sido o esperado, passamos a achar que as decisões não deveriam ter sido tomadas; há aquele que se identifica de imediato a chance perdida por não ter feito nada, sendo que havia oportunidade para fazer. Há os que se dão pela emoção, justamente escolhas emotivas sem pensar, movidos pela situação e momento e por fim, aqueles que se formam quando acabamos agindo erroneamente puramente pelo prazer, não pela razão. Qual a utilidade, na prática, do arrependimento? Dentro do comportamento humano o arrependimento tem grande importância. Ele é como um termômetro da vida. Em outras palavras, sua função, entre outras, é deixar claro que seja da ação, quanto à ausência dela, ou mesmo da forma como foi feita e que subjetivamente, não deveria ter ocorrido da maneira que ocorreu. Tudo isto ajuda-nos a aprender, evocando sentimentos negativos como a angustia, a dor e o sofrimento. Neste mesmo sentido é preciso ter claro que não há maneira melhor do ser humano aprender que não seja pela consciência através dos sentimentos do que não deu certo. Todo sentimento negativo tem por si a potencialidade de criar novas memorias referenciais para auxiliar-nos a amadurecer com a vida, para que no futuro sejamos mais prudentes, sem que nos lancemos de novo em uma condição e aventuras sem ter claro a intenção, a ação (ou não) e o possível resultado da ação (ou não). Em resumo, sua mais importante função é antecipar uma possível realidade para as escolhas no instante seguinte da vida. De maneira a qual possamos ampliar a visão sobre nós mesmos e o mundo que vamos construído instante a instante para nossa volta. “As coisas não são como são, e sim são como pensamos que são.” Não por menos que o arrependimento vem acompanhado da tristeza, às vezes raiva, vergonha ou preocupação e cognitivamente ele passa a ser um crivo de avaliações mais precisas dos fatos, para que outras oportunidades possam ser melhor trabalhadas — aqui se enquadra também o remorso, relembrando que de fato é o arrependimento por ações que prejudicaram alguém. De toda forma, é um pesar em relação ao que vivemos que nem sempre é como queríamos, sendo uma atividade mental importante e inevitável, mas seus efeitos, quando mal compreendidos, podem ser muito prejudiciais. Pesquisas hoje demostram que de fato, nossos arrependimentos são estreitamente ligados a nossos atos, entretanto, quanto menos dependente da fatalidade ou de circunstâncias exteriores a um acontecimento, menos nos arrependemos dele. Aqui vale chamar a atenção, porque esta relação é o que ajuda a identificar pessoas apáticas das empáticas, egoístas, das altruístas, modestas e realistas, das narcisistas. Sim, sabe por quê? Normalmente pessoas que tem traços de personalidades voltado para si mesmo, sempre tentam se esquivar da situação, para isto normalmente usam do artificio de olhar para situação como vítimas, como algo e circunstâncias exteriores a um acontecimento. Desvinculando-se do protagonismo. Se você fizer uma breve analise das pessoas a sua volta, perceberá que há pessoas que sofrem com o arrependimento, e outras que não se arrependem, são aquelas que sempre estão certas e que sempre acham que há um culpado, desde que não seja ele. Normalmente são pessoas tristes e vazias! Agora, há condições no qual o próprio acaso pode ser uma fonte de arrependimentos que se formam a partir da perspectiva de acontecimentos marcantes, sem a pessoa estar diretamente envolvida com o acontecimento. Por exemplo, vou contar aqui um caso real. Em 17 de julho de 2007 um colega estava indo para o aeroporto Internacional de Porto Alegre para pegar um voo para São Paulo, onde teria uma reunião no dia seguinte. Na correria e já atrasado ele estaciona seu carro, sai correndo para tentar dar tempo e quando chega no guichê ele descobre que a carteira tinha ficado dentro do seu carro, no “porta trecos” que fica na porta. Eis que este voo era TAM 3054 e acabaria, minutos depois, com a morte de todos a bordo. Esta situação o remeteu, antes de saber do que viria por acontecer, a muita raiva de si mesmo de não ter se preparado adequadamente para aquele compromisso, mas em seguida, menos de duas horas depois se transformou em comoção e uma sensação plena de tristeza no qual para ele toda aquela raiva estaria levando-o para a morte. Segundo ele: “Se não tivesse esquecido a carteira não estaria agora falando sobre este terrível acidente”. Lembro-me dele dizendo da raiva que acompanha o arrependimento que sentia por ter perdido a cabeça quando se deu conta que não estava com a carteira! Apesar da fatalidade e da história ser trágica, quero que entenda que mesmo ele não ter sido vítima ele criou dentro dele uma dor tão grande que precisou de ajuda para saber lidar com aquela situação de arrependimento. Agora, vamos para um outro exemplo. Imagina que seu filho vem oferecer a você um cupom de um bingo que a escola está realizando para conseguir verbas para reformá-la e ampliar a área esportiva. O prêmio é um carro zero quilometro de um valor bem significante. Então, você compra um bilhete e oferece-os também para seus amigos. Um dos seus amigos também compra, e quando você vai entregar o bilhete comprado, ele pede para você trocar, pois seu número da sorte tem que ter vinte e seis no final. Você fica intrigado com aquilo, e um desejo incontrolável de você ficar com este bilhete lhe toma, mas não compra, e por fim pede para seu filho um outro bilhete com final vinte e seis e troca para seu amigo. Por fim, o número do primeiro bilhete que deu para seu amigo acaba sendo sorteado e nem você ou ele ficam com o prêmio. Observe que do ponto de vista estritamente financeiro, ambos tiveram a mesma infelicidade, agora, quando exercícios com este são levados para análises na prática, voluntários questionados sobre qual dos dois deveria sentir mais arrependimento, o resultado é indiscutível! Para você, qual dos dois personagens deve ter se arrependido mais, o pai do aluno que não ficou com o bilhete ou o colega do pai que trocou o bilhete? Em 92% das pessoas ouvidas estimaram que o amigo provavelmente tinha arrependimentos mais pungentes: sua má inspiração ditou-lhe um comportamento alienado. Teria sido melhor se nada tivesse feito. Já o arrependimento do pai do aluno, vítima da própria inação, parece menos penoso às pessoas convidadas a se identificar com os personagens dessa história. Quando se vai para o ambiente clinico para tratar pessoas que estão sobre forte estresse por causa de arrependimento esta lógica é válida. As pessoas sofrem pelo feito quando não deveria fazer. Em outras palavras, diversos estudos indicam que, em geral, de forma “imediata” tendemos a nos arrepender significativamente do que fizemos e não deveria ter feito. Isto se dá principalmente quando o foco se está somente para o resultado da intenção. A mente humana é muito mais complexa! Além do arrependimento surgir muitas vezes quando fazemos o que não deveríamos ter feito, estudos vindos da psicologia social e comportamental tem demostrado que somos fortemente influenciados também a sofrer quando tomamos decisões que só enxerga o prazer imediato sem considerar as consequências futuras. Neste sentido, a condenação é repentina e não se dá a curto prazo: normalmente a longo prazo (depois de um ano, aproximadamente), quando muitas vezes surge o arrependimento através de considerações contrarias a aquela decisão passada que nos pareceu sábia e que foram tomadas por impulso da emoção. Isto porque o prazer altera as emoções, e as decisões que são tomadas emocionalmente ou quando estamos fragilizados pelos sentimentos, levam mais tempo para serem percebidas as consequências das escolhas feitas naquele momento. O que quero dizer é que, como já escrevi por diversas vezes, nossa mente tem muita dificuldade de fazer uma autocritica. Quando sentimos pressionados tendemos normalmente a buscas encontrar justificativas contrarias (convido a ler o artigo “Por que estou sempre certo!”). Isto é válido também para quando as coisas não saem como acreditávamos … Continue lendo SE O ARREPENDIMENTO MATASSE!
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